Promoção Imobiliária: confiança mantém-se mas há (muitos) desafios

Promoção Imobiliária: confiança mantém-se mas há (muitos) desafios
08 Jul 2022

Depois da pandemia, e num momento de recuperação pós-Covid, a conjuntura geopolítica e económica voltou a mudar. A guerra na Ucrânia fez disparar a inflação e acelerou a anunciada subida das taxas de juro. No imobiliário, o aumento dos custos de construção, a falta de mão de obra e matérias primas são uma ameaça à estabilidade, e trazem novos desafios a um setor que, até agora, tem dado provas de resiliência. No segmento da promoção imobiliária, a confiança no mercado mantém-se, ainda que seja difícil traçar cenários para o longo e médio prazo. O que esperar do futuro?

Impacto da Guerra e e conjuntura económica no imobiliário

Apesar da incerteza criada pela guerra, do aumento da inflação, do crescimento esperado das taxas de juro, da carência e subida dos preços das matérias primas, os promotores não têm dúvidas que o imobiliário continua a ser um bom refúgio de investimento. Dizem que este é, também, um motor que alimenta a economia do país, ainda que se avizinhem tempos difíceis, dada a instabilidade atual.

Pedro Vicente, administrador da Habitat Invest, considera que a “indústria da promoção imobiliária está habituada a ser resiliente ao longo dos tempos e a passar crises cíclicas permanentes”, mas admite que se vivem tempos desafiantes. Preocupa-o, por exemplo, a “subida permanente e sustentada dos preços da habitação” para os portugueses, sendo este um cenário que os promotores têm dificuldades em controlar, garante, até porque neste momento “há muita incerteza em relação aos preços finais”.

João Sousa, CEO do JPS Group, admite que a conjuntura atual poderá criar ou acentuar algumas tendências e dificuldades que já permeiam o mercado. “Os preços vão continuar a subir porque a oferta não consegue satisfazer de maneira alguma a procura existente. Este cenário irá dificultar o acesso da classe média e média baixa na compra de casa própria”, indica.

Corre-se o risco das empreitadas pararem ou derraparem?

Miguel Cabrita Matias, da Mexto Property Investment, menciona que o risco de atrasos ou cancelamentos de projetos está sempre presente, mesmo sem crises. A situação atual exacerba esses problemas, especialmente para desenvolvedores financeiramente mais fracos. José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, observa que as maiores construtoras tendem a favorecer parceiros de longo prazo, potencialmente desfavorecendo operadores de curto prazo.

O aumento dos custos de materiais, mão-de-obra e logística, impulsionados pelo conflito na Europa Oriental, provavelmente impactarão os custos dos projetos a curto e médio prazo, segundo Bruno Ferreira da Silva, da Bondstone. Projetos em estágios iniciais precisarão de compromissos entre construtores e desenvolvedores, enquanto projetos mais avançados verão um impacto reduzido.

Casas novas vão continuar a chegar ao mercado

Portugal continua a debater-se desde há uns anos com o problema da escassez de oferta e, enquanto assim for, segundo os promotores, vão continuar a chegar casas novas ao mercado. “Nós continuamos a assistir a um défice muito grande entre aquilo que é a procura e a oferta de casas. Continuamos a assistir a uma diferença muito grande entre aquilo que eram casas novas produzidas há dez, 12 anos, e aquilo que é produzido hoje. E, portanto, vão continuar a chegar muitas casas ao mercado”, assevera Luís Gamboa.

Bruno Ferreira da Silva partilha da mesma opinão, sublinhando, contudo, que o ritmo a que essas casas novas vão chegar “não será o ideal”, nomeadamente por causa dos atrasos nos licenciamentos. O responsável considera que o “mercado vai continuar a ser dominado pelo mercado de imóveis usados e que, com os tempos demorados de licenciamento e aumento do custo de construção, o produto novo que chegará, ainda assim, será “francamente abaixo daquilo que é a procura”, algo que “vai promover uma sobrevalorização dos imóveis usados”. “Vamos continuar nesta equação que vai continuar a ser muito difícil de fechar. Enquanto não diminuirmos tempos do licenciamento, enquanto não reduzirmos a carga fiscal aos promotores imobiliários, será difícil”, declara o responsável.

O eterno problema das casas para a classe média

A oferta de habitação em Portugal estagnou nos últimos 10 anos, apresentando um aumento residual de apenas 1% – o parque habitacional cresceu de 5,88 para 5,96 milhões de casas entre 2011 e 2021, segundo o estudo ‘Living Destination’ da JLL, divulgado no ano passado. Um problema que se adensa se olharmos para o segmento da classe média, onde a falta de produto é um “tema” há já vários anos.

“O tema das casas para a classe média é um tema extremamente quente que, devido aos fatores conjunturais que existem em Portugal, como os excessivos impostos, a excessiva burocracia, atrasam isso mesmo, essa mesma oferta”, frisa João Sousa. Segundo o promotor, é preciso repensar o excesso de carga fiscal, até porque a conjuntura a nível mundial não será favorável ao preenchimento desta lacuna.

Estrangeiros de olho em Portugal, mas é preciso estar “alerta”

Portugal têm-se mantido na mira dos investidores estrangeiros, e o cenário deverá manter-se. Apesar do mercado nacional ter muito peso no negócio, Sónia Santos adianta que a Solyd tem continuado a sentir “muito interesse” por parte do público e de investidores estrangeiros de várias nacionalidades. “Penso que, apesar de tudo, continuam muito interessados em comprar e viver imóveis de qualidade e em zonas também que façam sentido”, refere, acrescentando que a procura tem sido “contínua”.

Ainda assim, é preciso estar atento, nomeadamente à instabilidade legislativa e fiscal que afeta o setor. “Há dois temas que são relevantes em Portugal: o licenciamento e a fiscalidade que se aplica ao imobiliário. Portanto, de facto, se nada for alterado, estou em crer que nós podemos perder uma boa parte dos investidores que estão atualmente a pensar em Portugal. E isso realmente seria trágico, porque o nosso principal problema é a falta de oferta. Então, se não houver investimento, a oferta vai-se reduzir ainda mais, o que não são boas notícias para o mercado”, garante José Cardoso Botelho.

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